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terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Planos econômicos e o Judiciário

Luiz R. Wambier
Publicado no Valor On Line em 08 de janeiro de 2009.

Está próximo o fim do prazo prescricional relativo ao pacote econômico de janeiro de 1989, o Plano Verão. Assim como no Plano Bresser, haverá nova corrida ao Judiciário. Os aplicadores em cadernetas de poupança irão postular diferenças de correção monetária que, entendem, devam incidir sobre os saldos da época em razão das medidas de política monetária aplicadas pelo governo federal no controle da inflação.
Antes do Plano Real, os pacotes causavam frustração. Entre os economistas há certo consenso de que as medidas eram necessárias e fundamentais para o controle da inflação e para a reorganização da economia. Ainda que seus efeitos tenham durado pouco, os pacotes afastaram o risco da hiperinflação.
Há o senso comum de que os poupadores teriam direito adquirido às diferenças de correção monetária, e há aparente certeza de que seriam os bancos os beneficiários dos pacotes.
Não há direito adquirido a índices de correção monetária que foram alterados, como única alternativa para bloquear a hiperinflação. Também é equivocada a opinião de que os bancos seriam os beneficiários das diferenças de correção monetária.
Esse é um mito a ser superado. Por detrás da opinião está a idéia de que haveria altas somas, não pagas aos poupadores quando do plano econômico, embolsadas pelos bancos, que deveriam agora devolvê-las, como se os depósitos em poupança tivessem sido corrigidos por índice maior e os poupadores tivessem recebido a correção por índice menor. A diferença teria ficado com os bancos.
Isso não é verdade e a atualização monetária das aplicações financeiras observou as regras de política monetária dos planos econômicos. Os recursos dos próprios bancos e de seus depositários foram corrigidos pelas mesmas regras. Se assim não fosse, os bancos teriam sido punidos. Os bancos tiveram participação passiva na tentativa de estabilização da economia, apenas cumprindo determinação do governo federal. Não houve sobra de recursos decorrentes da diferença de índices, assim como não há dinheiro à espera de seus titulares.
No plano jurídico merece reflexão a questão do direito adquirido a essas diferenças, porque há que se ter cautela para afirmar existir direito adquirido em tema de política monetária. É nesse sentido a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), ainda que sem manifestação sobre a questão dos planos econômicos.
O governo define a política monetária por meio de normas de ordem pública, com aplicação imediata.
Pode editar regras de desmanche da indexação da economia, ainda mais em situações iguais as do final da década de 80, em que a hiperinflação nos rondava. Se, para isso, o governo tiver de olhar aos interesses que possam ser atingidos pelas medidas que deva tomar, essa prerrogativa estará inviabilizada.
A intangibilidade de situações concretas, propiciada pelo dogma do direito adquirido, deve considerar a perspectiva do equilíbrio, proporcional, entre o interesse geral presente na opção por um regime de estabilidade econômica e os interesses particulares eventualmente tocados pelas novas regras.
Essa orientação está na jurisprudência do STF. Sobre a alteração do índice de correção monetária aplicado às contas do FGTS, o STF adotou "o princípio de que não há direito adquirido a regime jurídico". Por ter "natureza obviamente institucional, nada impede a alteração, por lei, dos seus elementos conformadores", aí incluídos "os critérios de correção monetária dos respectivos valores".
Ao apreciar a constitucionalidade da aplicação da tablita (deflator que incidiria em contratos com valor de resgate pré-fixado) o STF julgou que as leis monetárias "não encontram barreira no direito adquirido, seja resultante do contrato, seja decorrente da lei, justamente porque inexiste direito adquirido a padrão monetário, a estatuto legal da moeda, matéria de competência exclusiva do Estado". Caso contrário, "leis da espécie frustrar-se-iam em seus objetivos, como, por exemplo, o de exorcizar o demônio da inflação, se não interferissem nos contratos de execução em curso, por ela não expressamente
ressalvados".
No julgamento, a ministra Ellen Gracie afirmou que a alteração do índice de correção monetária não atentaria contra garantias constitucionais, pois provinha de "uma intervenção radical na economia" e, a alteração do índice de correção contratado, preservava a "manutenção das expectativas originais dos
contratantes, não a literalidade de sua expressão numérica em quantidade de moeda". Para o ministro Cezar Peluzo, a alteração de índice de correção monetária, em atuação radical do Estado sobre a política monetária, "veio exatamente a preservar a garantia constitucional do ato jurídico perfeito, porque se ordenou a restabelecer o equilíbrio econômico original". Para o ministro Gilmar Mendes a alteração, "ao invés de ferir o pactuado anteriormente, assegurou a manutenção possível do que havia sido pactuado, tendo em vista que o cenário era de redução drástica da inflação".
Devemos refletir sobre a responsabilidade dos bancos quanto às diferenças de correção decorrentes de regras de disciplina da política monetária. Essa reflexão nos faz pensar sobre a presença (ou não) de direito adquirido dos poupadores aos índices expurgados pelo governo, com medidas drásticas e de efeitos imediatos, adotadas para controle da inflação, o que, em última análise, beneficiou a todos. A avaliação cabe ao STF, que provavelmente o fará em uma ação de descumprimento de preceito fundamental. A contar pelos precedentes havidos, haverá coerência com o reconhecimento da ausência de direito adquirido dos poupadores. Com isso ganhará o interesse coletivo e o Estado de Direito, no papel de defensor dos direitos fundamentais da coletividade.

Luiz R. Wambier é doutor em Direito pela PUC/SP e sócio do Escritório Arruda Alvim Wambier
Advocacia e Consultoria Jurídica.

Na crise, empresas miram tributos

Texto enviado por Gustavo Falcão


 

Com a falta de crédito decorrente da crise econômica, exportadoras e importadoras de diversos setores avaliam quais as medidas administrativas e judiciais que podem adotar durante este ano para reduzir o valor dos tributos devidos e, assim, fazer caixa. As empresas, em sua maioria indústrias, vêm buscando formas de tentar acelerar processos administrativos para a liberação de créditos de tributos, ajuizando ações com base em teses tributárias antigas e apostando em novas teses, ainda que elas se limitem a setores específicos, como os de petróleo e telecomunicações. "Com o aumento da taxa de câmbio houve uma queda na demanda muito forte, e hoje o que as empresas mais precisam é de financiamento para fazer capital de giro", afirma o vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro.


 

Entre as medidas administrativas que estão sendo adotadas pelas empresas exportadoras, segundo Roberto Cunha, sócio da área tributária de impostos indiretos e aduaneiros da KPMG, as demandas mais comuns para amenizar o impacto da crise é a busca pela aceleração da comprovação de créditos de ICMS.


 

Isso porque, quando as exportadoras compram matéria-prima para a fabricação de seus produtos, obtêm crédito do imposto, mas como são isentas de ICMS na saída das mercadorias, ficam com créditos acumulados. De acordo com Cunha, de modo geral os Estados têm R$ 15 bilhões de saldo credor em estoque. "Capital de giro é o que mais essas empresas necessitam e a liberação desses créditos pode levar ao aumento desse capital", afirma.


 

Há mecanismos que permitem a liberação desses créditos de ICMS, mas o processo é moroso e burocrático, segundo o consultor. "Uma vez aprovados os créditos, os contribuintes têm direito a usá-los na compra de matérias-primas", explica. Mas a legislação paulista, por exemplo, exige a aprovação do secretário da Fazenda do Estado para que o contribuinte possa transferir o crédito aprovado para terceiros. Uma dica para acelerar a aprovação dos créditos, segundo Cunha, é que as empresas façam, mês a mês, continuamente, a documentação do cálculo do imposto embutido sobre cada produto de cada cadeia produtiva.


 

Outra demanda dos contribuintes constante na KPMG é a adoção do Regime Aduaneiro Especial de Entreposto Industrial sob Controle Informatizado (Recof), que liga os setores importador e exportador de uma mesma empresa. Isso porque no Recof os impostos federais - e algumas vezes o ICMS também, como no Estado de São Paulo - ficam suspensos na importação de insumos, mas, ao mesmo tempo, há a garantia de exportação futura de seus produtos finais. O regime especial, no entanto, só pode ser adotado por determinados setores econômicos, como o automotivo, o aeronáutico e o de informática e semicondutores. "Essa é outra medida que as empresas exportadoras vêm procurando cada vez mais para fazer capital de giro", afirma Cunha.


 

Há, no entanto, empresas com teses jurídicas novas já engatilhadas para serem apreciadas pelo Poder Judiciário neste ano. O tributarista Marcos Catão, do escritório Vinhas Advogados, conta que importadoras de vinho pretendem ajuizar ações judiciais pedindo isonomia tributária com a indústria nacional. Isso porque neste ano entra em vigor uma nova tabela de IPI para bebidas quentes, como o vinho. A norma, instituída a pedido dos fabricantes nacionais da bebida, reduz a carga tributária dos vinhos nacionais. O advogado afirma que a base legal para seu pedido será a regra da Organização Mundial do Comércio (OMC) que determina que não pode haver alíquotas diferenciadas entre um mesmo produto, seja ele importado ou nacional.


 

Uma outra regra da OMC, que veda a criação de impostos análogos a outros já existentes após a assinatura de um tratado, é a base legal para uma nova tese que está em estudo por uma empresa do ramo do petróleo e outra de telecomunicações, e que contratam vários serviços no exterior. "Alegaremos que a incidência da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) sobre contratos de serviço no exterior viola os tratados internacionais contra a bitributação", diz Marcos Catão. O advogado defende que a Cide sobre contratos de serviço no exterior é análoga ao Imposto de Renda (IR) na fonte porque a fonte geradora de ambos os tributos é a mesma: o envio, pagamento ou remessa de capital para não-residentes. Se a tese for aceita nos tribunais, a Cide que recai sobre o custo da importação de serviços será excluída da carga tributária dessas empresas.


 

Além disso, exportadores continuam a procurar escritórios de advocacia para apostarem em teses já difundidas - como o pedido de compensação de débitos previdenciários com créditos de PIS e Cofins acumulados na exportação e a contestação da incidência da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) sobre receitas decorrentes de exportações (leia abaixo). Nos dois casos, ainda não há uma definição do Supremo Tribunal Federal (STF).


 

Tese da CSLL é uma das mais procuradas


 

Uma das teses jurídicas já bastante difundida e, agora, muito procurada pelas exportadoras é a que contesta a incidência da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) sobre as receitas decorrentes de exportações. Isso porque uma vitória do contribuinte pode garantir um aumento de caixa significativo para as empresas - a alíquota da contribuição é de 9% - e também porque o Supremo Tribunal Federal (STF) está em vias de finalizar o julgamento do tema em breve. Se os ministros do Supremo forem favoráveis à não-incidência do tributo, pode ocorrer algo semelhante ao que foi feito no caso do prazo para a cobrança de dívidas pelo INSS - quando eles decidiram que o ressarcimento de valores cobrados em um prazo maior do que os cinco anos definidos durante o julgamento da disputa só seria feito para quem já havia ingressado com ações na Justiça.


 

Os contribuintes argumentam que a Emenda Constitucional nº 33, de 2001, que instituiu a não-incidência de contribuições sociais sobre as receitas oriundas de exportações, se aplica também à CSLL e não somente em relação ao PIS e à Cofins.


 

Já a Fazenda alega que não há imunidade no caso e que a base de cálculo da CSLL é o lucro, e não a receita.


 

Por enquanto, o placar do julgamento no Supremo está em quatro votos para o contribuinte e quatro para a Fazenda. A tese voltou a ser debatida depois que o ministro Marco Aurélio proferiu duas decisões a favor das empresas em 2007 – a Embraer e a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) foram beneficiadas por liminares. Em dezembro de 2008, um pedido de vista da ministra Ellen Gracie adiou o fim do julgamento, que agora depende apenas de três votos. A sessão do pleno que resultou no atual empate foi polêmica. O ministro Menezes Direito defendeu que o fato gerador da CSLL, o lucro, é totalmente diverso do fato gerador mencionado na emenda constitucional, que é a receita. Votaram na mesma linha - ou seja, a favor do fisco - os ministros Ricardo Lewandowski e Carlos Britto. Já o presidente do Supremo, Gilmar Mendes, foi acompanhado por Cezar Peluso e Eros Grau na defesa de que a receita não está sujeita à contribuição e que a imunidade deve ser garantida.

Caso Fortuito e Força Maior

Texto enviado por Gustavo Falcão.

Qual é a ligação entre um buraco no meio da via pública, um assalto à mão armada dentro de um banco e um urubu sugado pela turbina do avião que atrasou o vôo de centenas de pessoas? Todas essas situações geraram pedidos de indenização e foram julgados no Superior Tribunal de Justiça (STJ) com base num tema muito comum no Direito: o caso fortuito ou de força maior.

O Código Civil diz que o caso fortuito ou de força maior existe quando uma determinada ação gera consequências, efeitos imprevisíveis, impossíveis de evitar ou impedir:

Caso fortuito + Força maior = Fato/Ocorrência imprevisível ou difícil de prever que gera um ou mais efeitos/consequências inevitáveis.

Portanto pedidos de indenização devido a acidentes ou fatalidades causadas por fenômenos da natureza podem ser enquadrados na tese de caso fortuito ou de força maior.

Exemplo: um motorista está dirigindo em condições normais de segurança. De repente, um raio atinge o automóvel no meio da rodovia e ele bate em outro carro. O raio é um fato natural. Se provar que a batida aconteceu devido ao raio, que é um acontecimento imprevisível e inevitável, o condutor não pode ser punido judicialmente, ou seja: não vai ser obrigado a pagar indenização ao outro envolvido no acidente.

Ao demonstrar que a causa da batida não está relacionada com o veículo, como problemas de manutenção, por exemplo, fica caracterizada a existência de caso fortuito ou força maior.

Nem todas as ações julgadas no STJ são simples de analisar assim. Ao contrário, a maior parte das disputas judiciais sobre indenização envolve situações bem mais complicadas. Como o processo de uma menina do Rio de Janeiro. A garota se acidentou com um bambolê no pátio da escola e perdeu a visão do olho direito.

A instituição de ensino deveria ser responsabilizada pelo acidente? Os pais da menina diziam que sim e exigiram indenização por danos morais e materiais. Por sua vez, o colégio afirmava que não podia ser responsabilizado porque tudo não passou de uma fatalidade. O fato de o bambolê se partir e atingir o olho da menina não podia ser previsto: a chamada tese do caso fortuito. Com essa alegação, a escola esperava ficar livre da obrigação de indenizar a aluna.

Ao analisar o pedido, o STJ entendeu que a escola devia indenizar a família. Afinal, o acidente aconteceu por causa de uma falha na prestação dos serviços prestados pela própria instituição de ensino. Assim como esse, outras centenas de processos envolvendo caso fortuito e indenizações chegam ao STJ todos os dias.

Assalto à mão armada no interior de ônibus, trens, metrôs? Para o STJ é caso fortuito. A jurisprudência do Tribunal afirma que a empresa de transporte não deve ser punida por um fato inesperado e inevitável que não faz parte da atividade fim do serviço de condução de passageiros.

Entretanto em situações de assalto à mão armada dentro de agências bancárias, o STJ entende que o banco deve ser responsabilizado, já que zelar pela segurança dos clientes é inerente à atividade fim de uma instituição financeira.

E o buraco causado pela chuva numa via pública que acabou matando uma criança? Caso fortuito? Não. O STJ decidiu que houve omissão do Poder Público, uma vez que o município não teria tomado as medidas de segurança necessárias para isolar a área afetada ou mesmo para consertar a erosão fluvial a tempo de evitar uma tragédia.

E onde entra o urubu? Numa ação de indenização por atraso de vôo contra uma companhia aérea. A empresa alegou caso fortuito porque um urubu foi tragado pela turbina do avião durante o vôo. Mas o STJ considerou que acidentes entre aeronaves e urubus já se tornaram fatos corriqueiros no Brasil, derrubando a tese do fato imprevisível. Resultado: a companhia aérea foi obrigada a indenizar o passageiro.

Moral da história: Imprevistos acontecem, mas saber se o caso fortuito ou de força maior está na raiz de um acidente é uma questão para ser analisada processo a processo, através das circunstâncias em que o incidente ocorreu.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica (“Disregard of Legal Entity”)

A Pessoa Jurídica não se confunde com os sócios que a compõem, e nem se confundem os respectivos patrimônios. Tal regra se insere atualmente dos arts. 596 do CPC e 997 do NCC, dentre outros, sendo, na verdade, proveniente de todo o sistema jurídico-econômico, pois, da Constituição à legislação infraconstitucional, o legislador refere a pessoa jurídica como realidade própria, distinta dos sócios ou associados. De tal modo, adotada forma social que estabeleça limitação de responsabilidade e registrado o contrato social, em princípio não há possibilidade de ataque ao patrimônio dos sócios por débitos societários. A sociedade será a devedora, e não os sócios.

Algumas vezes, entretanto, a lei torna ineficaz essa distinção, para o caso concreto, e admite a responsabilização direta do sócio por condutas que, não fosse a superação, ficariam a cargo exclusivo da sociedade. É a Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica, trazida ao Brasil por Rubens Requião em 1969.

Deve ser alertado, de antemão, que a Desconsideração, a qual permite o atingir-se o patrimônio dos sócios, diverge da Despersonalização, que extingue a Pessoa Jurídica. No Desconsideração não há tal efeito, além do que o sócio atingido não é excluído da Pessoa Jurídica, mas há apenas uma circunstância casual e episódica.

Há diversas previsões legislativas do instituto no Brasil. Dentre elas: art. 28 do CDC; art. 18 da Lei nº 8884/94; art. 4º da Lei nº 9605/98; art. 50 do NCC. Note-se, contudo, que a previsão do Novo Código Civil não revogou as legislações anteriores, pois se aplica o sistema da especialidade (cf. Enunciado 51 CJF).

A origem da Desconsideração da Personalidade Jurídica remonta aos países da Common Law. Na maioria da doutrina
se reputa a ocorrência do primeiro caso de aplicação da Desconsideração o Caso Salomon x Salomon Co em 1897, na Inglaterra. Ressalte-se, entretanto, que inicialmente a Teoria era utilizada para o combate ao abusa da personalidade jurídica, ou seja, quando a própria criação da Pessoa Jurídica já representava fraude (exemplo comum no Brasil ocorre quando um sócio detém 99,99% das cotas e o outro 0,01%, com a nítida intenção de burlar o impedimento às sociedades unipessoais legalmente imposto).

Alguns críticos recentes, como o Des. Silvio Capanema, por exemplo, argumentam que a Teoria seria totalmente desnecessária, uma vez que, na forma do art. 927 NCC, o administrador ou sócio que agisse em fraude seria responsabilizado diretamente. Assim, a Teoria da Desconsideração seria, na verdade, um empecilho ao lesado, que teria que demandar contra a Pessoa Jurídica para, posteriormente, desconsiderá-la e atingir o fraudador real. Embora reconheça o brilhantismo da idéia, não compartilhamos de tal raciocínio. A nosso ver, quando o administrador ou sócio se utiliza da Pessoa Jurídica para a prática do ato fraudulento quem está, juridicamente, causando o ilícito é a Pessoa Jurídica, dada a sua autonomia, comentada no primeiro parágrafo deste texto. Deste modo, há a necessidade sim de se demandar contra a Pessoa Jurídica, não se podendo falar em responsabilidade direta, sob pena de ignorar toda a autonomia de personalidades, fruto de anos de aprimoramento do próprio sistema capitalista.

Duas classificações de "Teorias" classificação a Desconsideração, a saber:

  1. Teoria Subjetiva X Teoria Objetiva


     

    1. Teoria Subjetiva – a desconsideração da personalidade jurídica exige a demonstração de fraude, elemento subjetivo.
    2. Teoria Objetiva – é dispensável a demonstração de fraude.


       

  2. Teoria Maior X Teoria Menor


     

    1. Teoria Maior – a simples dificuldade do credor em receber o que lhe é devido não autoriza a desconsideração.
    2. Teoria Menor – a simples dificuldade autoriza a desconsideração.

Ocorre que assim dispõe o art. 28 CDC:

"Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

(...)

§ 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores."

O que se percebe é que no caput do mencionado dispositivo há a aplicação das Teorias Maior e Subjetiva. No entanto, surpreendentemente, o legislador previu a aplicação das Teorias Menor e Objetiva no §5º da norma. Tal é amplamente criticado pela doutrina, já que a previsão do §5º torna completamente inaplicável o caput do art. 28 CDC. Nesse ponto observam-se dois posicionamentos distintos na doutrina: um primeiro, orientando pela aplicação do §5º sob o argumento da maior proteção ao consumidor; um segundo, prega a aplicação do caput da norma em inobservância do seu §5º, já que a aplicação literal deste levaria a um aniquilamento da autonomia patrimonial nas relações de consumo, ferindo o Princípio da Segurança Jurídica. Argumento que acrescentamos a essa corrente é que o §5º está sendo "superior" à previsão do caput, o que vai de encontro à técnica de hermenêutica (v., por exemplo, Resp. 1066532 STJ, que afirma tal regra de interpretação em questão referente ao serviço militar obrigatório).

Por outro lado, o art. 50 NCC exige desvio de finalidade ou confusão patrimonial para a Desconsideração da Personalidade Jurídica, apontando a doutrina a ocorrência da Teoria Maior. No entanto, quando do início da vigência do Novo Código Civil, a doutrina apontava que o codex teria previsto também a Teoria Subjetiva, já que estaria exigindo a fraude como requisito. No entanto, salientam Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald, a nosso ver com razão, que o Código Civil de 2002 previu, na verdade, tanto a Teoria Subjetiva ("desvio de finalidade") quanto a Teoria Objetiva, já que a "confusão patrimonial" nem sempre será conseqüência de fraude, podendo ser constatada mediante simples perícia (elemento objetivo), não se exigindo elemento subjetivo como requisito nessa hipótese.

Por fim, deve ser lembrado que outras Teorias são fruto da "Disregard of Legal Entity", a saber:

  1. Teoria da Desconsideração Inversa da Personalidade Jurídica – possibilita a inversão da Disregard, ou seja, atingir-se o patrimônio da Pessoa Jurídica por dívidas pessoais do sócio fraudulento. Exige-se, para tanto, a aplicação das Teorias Subjetiva e Maior. Aplicação bastante comum ocorre quando o sócio, a fim de fraudar o regime comunhão, o fisco ou débitos trabalhistas, por exemplo, transfere seu patrimônio para a sociedade com o intuito do credor ou cônjuge não encontrarem bens à execução ou à pensão, já que todo o montante, ou grande parte, estará camuflada em nome da Pessoa Jurídica.
  2. Teoria da Desconsideração da Personalidade Em Favor da Pessoa Jurídica – ocorre quando a desconsideração, ao invés de prejudicar a Pessoa Jurídica, a beneficia. Um exemplo ocorre quando determinada sociedade, em razão de situação financeira delicada, requer a gratuidade de justiça. Tal benefício, em tese concedido apenas às Pessoas Físicas, será estendido à Pessoa Jurídica. Na verdade, desconsideração a personalidade jurídica de Pessoa Jurídica para equipará-la à Pessoa Física. Outros princípios norteiam o instituto, tais como a Função Social da Empresa, a Preservação da Empresa, etc.
  3. Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica Indireta – possibilita a invasão do patrimônio em caso de fraude em holding. Assim, eventual tentativa de "repasse de valores" de uma sociedade para outra da holding com o intuito de fraude pode ser combatido e anulado. Também se aplicam as Teorias Subjetiva e Maior.
  4. Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica Em Favor dos Sócios – como o nome explica, desconsidera-se a personalidade da Pessoa Jurídica não para prejudicar a Pessoa Jurídica ou seus sócios, mas para beneficiá-los. Um exemplo ocorre quando uma empresa familiar funciona em na casa da família. Tal bem pode, dependendo das circunstâncias do caso concreto, vir a ser tido como impenhorável, beneficiando a sociedade e os sócios. Julgado semelhante ocorreu recentemente no Resp 35281 STJ, tendo sido tal questão objeto de pergunta na última prova oral do MPERJ.

Benefício de Restituição

O ordenamento jurídico admite o chamado "Benefício de Restituição"? (Questão da prova do MPERJ)


 

O Benefício de Restituição é um instrumento que permite ao Incapaz invalidar determinado Ato ou Negócio Jurídico com a simples alegação de prejuízo, ainda que validamente praticado. Um exemplo melhor elucida a questão: um menor aliena um imóvel pelo valor de trezentos mil reais com autorização judicial e parecer favorável do MP; no entanto, supervem obra pública no local que valoriza o imóvel ao valor de mercado de quinhentos mil reais, logo após a alienação. Indaga-se: é possível ao menor invalidar o negócio e retomar o imóvel bastando a simples alegação de sua incapacidade? É o que se chama de "Benefício de Restituição".


 

O Benefício de Restituição era previsto nas Ordenações Joaninas (isso mesmo, aquelas leis importadas de Portugal por Dom João VI, e que muitas perduraram bastante no Brasil, algumas até o advento do Código Civil de 1916). Assim, naquela época era perfeitamente plausível a alegação do Benefício de Restituição. Ocorre que, advindo o CC 1916, em seu art. 8º, houve a expressa revogação do instituto. Portanto, à partir daquela data, não mais se aplicou o Benefício de Restituição no Brasil.


 

A dúvida surge diante da omissão do Novo Código Civil. Como se observa do NCC, não houve qualquer menção ao instituto. Assim sendo, terá ocorrido a "revogação da revogação do CC 1916", retornando o Benefício de Restituição, ou manteve-se inaplicável o instituto no Brasil?


 

A resposta é dada pela doutrina. Afirmam os estudiosos que no contexto atual é inadmissível o Benefício de Restituição. Tal se dá por manifesta intangibilidade entre o Benefício de Restituição e o Princípio da Boa-Fé Objetiva e seus Sub-Princípios (ex: Princípio da Confiança), trazidos pelo Novo Código.