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quinta-feira, 1 de novembro de 2007

CONSTITUIÇÃO DE 1988. FRUTO DO PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO OU DO DERIVADO?

BREVE INTRODUÇÃO

O Poder Constituinte, idealizado por Abatier e Sieyés, é aquele que cria e altera a Constituição, norma fundamental ao Estado e ao sistema jurídico.

Podemos classificar o Poder Constituinte em:

. Originário (PCO), como sendo aquele que cria a Constituição. Suas características são: ser Inicial, Ilimitado, Incondicionado e Permanente.

. Derivado (PCD), sendo aquele que tem o poder de reformar a Constituição (Poder Constituinte Derivado Reformador, que se apresenta sob a forma de Emendas de Revisão e Emendas Constitucionais), bem como de autorizar a criação de Constituições Estaduais (denominado Poder Constituinte Decorrente). Suas principais características são: ser Posterior, Limitado e Condicionado.


MANIFESTAÇÕES DO PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO. COMO SE CRIA UMA CONSTITUIÇÃO?

Há algumas formas reconhecidas pela doutrina jurídica e política de surgimento de uma nova ordem constitucional e, consequentemente, social. São elas:

1) A Revolução, que é a manifestação social de rompimento com a ordem jurídica anterior. Ao contrário do que possa parecer, não é necessário que haja uma “revolução armada”, mas tão somente a vontade soberana popular de rompimento. Daí que Manuel Gonçalves Ferreira Filho a reconhece como “único método de manifestação do Poder Constituinte Originário”.

2) A Assembléia Nacional Constituinte (ANC), que é a reunião de efetivos representantes do povo para a criação de uma nova Carta Constitucional. É extremamente necessário que a composição da ANC seja realmente de representantes do povo, sob pena de não se criar novo ordem constitucional, já que haveria vício de ilegitimidade.

3) Há ainda quem afirme um terceiro método, o Representativo, pelo qual reúnem-se as pessoas (constituintes) para a elaboração de uma nova Constituição e, posteriormente, leva-se ao conhecimento do povo para aprovação ou não.

Note-se que a Constituição e a legitimidade do PCO sempre deriva do povo, da vontade popular. Esse elemento essencial deve estar presente nos três métodos acima, sob pena de não estar-se criando uma nova ordem constitucional e social. “Todo o poder deriva do povo”.


CLASSIFICAÇÃO DAS CONSTITUIÇÕES EM FORMAIS OU MATERIAIS


Dentre as várias classificações dadas às Constituições, chamaremos atenção a seguinte, por relevante ao tema:

. Constituição Material é aquela oriunda efetivamente do PCO, criadora realmente de um novo sistema constitucional. São as Constituições que advém da vontade popular de rompimento com o sistema anterior, sendo sua elaboração formulada de forma democrática e por legítimos representantes do povo.

. Constituição Meramente Formal é uma “Constituição” somente sob a forma, já que não é oriunda efetivamente do povo. Não se trata realmente de nova Constituição. Exemplo clássico são as Constituições Outorgadas, que são impostas e não possuem caráter democrático e representativo do povo.


BREVE RELATO POLÍTICO DA ÉPOCA


As “Diretas Já” foi um dos movimentos de maior participação popular da história do Brasil. Teve início em 1983, no governo de João Batista Figueiredo, e propunha eleições diretas para o cargo de Presidente da República.

Em 1984, haveria eleição para a presidência, mas seria realizada de modo indireto, através do Colégio Eleitoral. Para que tal eleição transcorresse pelo voto popular, ou seja, de forma direta, era necessária a aprovação da Emenda Constitucional proposta pelo deputado Dante de Oliveira (PMDB – Mato Grosso).

No dia 25 de abril de 1984, o Congresso Nacional se reuniu para votar a Emenda que tornaria possível a eleição direta ainda naquele ano. A população não pode acompanhar a votação dentro do plenário. Os militares, temendo manifestações, reforçaram a segurança ao redor do Congresso Nacional. Tanques, metralhadoras e muitos homens sinalizavam que aquela proposta não era bem-vinda.

Para que a Emenda fosse aprovada, eram necessários 2/3 dos votos. A expectativa era grande. Foram 298 votos a favor e 65 contra. Por 22 votos, a proposta de Dante de Oliveira não conseguiu ser aprovada.

Com o fim do sonho, restava ainda a eleição indireta, quando dois civis disputariam o cargo. Paulo Maluf (PDS) e Tancredo Neves (PMDB) foram os indicados. Com o apoio das mesmas lideranças das “Diretas Já”, Tancredo Neves venceu a disputa.

Apesar de indireta, a eleição de Tancredo foi recebida com entusiasmo pela maioria dos brasileiros. Tancredo, contudo, não chegou a assumir a presidência. Na véspera da posse foi internado no Hospital de Base, em Brasília, com fortes dores abdominais, e José Sarney tomou seu lugar interinamente no dia seguinte, em 15 de março de 1985. Depois de sete cirurgias, morreu, em 21 de Abril, aos 75 anos de idade, com infecção generalizada. Em 22 de Abril, Sarney foi investido oficialmente no cargo. Governou até 1990, um ano a mais que o previsto na carta-compromisso da Aliança Democrática, pela qual chegou ao poder.


ESTUDOS SOBRE A ASSEMBLÉIA NACIONAL CONSTITUINTE DE 1985, QUE ELABOROU A CONSTITUIÇÃO DE 1988


Ao assumir o cargo de Presidente da República, Sarney cumpriu sua promessa política e conseguiu a aprovação de uma Emenda Constitucional convocando uma Assembléia Nacional Constituinte em 1985. Tal ANC iria dar margem à Constituição Federal de 1988.

A grande problemática que envolve o tema é que a Assembléia Nacional Constituinte foi convocada através de uma Emenda à Constituição de 1967/69.

Ou seja, o Poder Constituinte Derivado inaugurou e legitimou um Poder Constituinte Originário. Ora, o PCD é Limitado, não possuindo poderes para tal. Seria, portanto, a Constituição Federal de 1988 fruto do PCD, e não do PCO como se afirma?

Outra problemática refere-se à própria composição da Assembléia Nacional Constituinte de 1985.

Conforme determinado na Emenda Constitucional convocatória da ANC, a composição do PCO (ANC) seria formulada pelos senadores e deputados eleitos à época.

Ocorre que a eleição dos senadores da república se faz de maneira peculiar. Cada Estado da República possui 3 senadores que os representa. No entanto, a eleição desses se faz, ora de 2, ora de 1 senador.

Ou seja, o mandado de um senador da república dura 8 anos, sendo que de 4 em 4 anos se substituem ora 2 senadores, ora 1 senador (esse denominado “senador biônico”).

O vício de difícil visualização é que os “senadores biônicos” não foram eleitos pelo povo para compor a ANC. Daí que a ANC estaria eivada de vício de representação e ilegitimidade, já que não seria oriunda total e efetivamente do povo brasileiro.

A doutrina, em termos gerais, se limita a responder que a CF 88 rompeu efetivamente com a anterior ordem jurídica, sendo, portanto, uma Constituição Material. No entanto, igualmente não temos um estudo mais profundo sobre a questão.

Mas fica a questão para o leitor: Seria então a Constituição atual apenas uma Constituição Formal, fruto do Poder Constituinte Derivado, e não uma Carta Material como se afirma?


(texto próprio)

terça-feira, 16 de outubro de 2007

Segue texto que escrevi sobre a COSIP, para quem interessar

CONSIDERAÇÕES SOBRE A CONTRIBUIÇÃO PARA O CUSTEIO DA ILUMINAÇÃO PÚBLICA COSIP

Em dezembro de 2002 a Emenda Constitucional nº. 39 foi editada criando a Contribuição para o Custeio da Iluminação Pública e inserindo o art. 149 A na Carta Magna.

Longe de ser objeto de unanimidade a COSIP criou diversas divergências doutrinárias e jurisprudenciais, sendo um assunto de extrema relevância nos Tribunais atualmente.

Diz o art. 149 A da Constituição Federal:

“Art. 149-A Os Municípios e o Distrito Federal poderão instituir contribuição, na forma das respectivas leis, para o custeio do serviço de iluminação pública, observado o disposto no art. 150, I e III. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 39, de 2002)

Parágrafo único. É facultada a cobrança da contribuição a que se refere o caput, na fatura de consumo de energia elétrica.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 39, de 2002)


ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS – MERA INTRODUÇÃO

Como se sabe, o STF reconheceu no nosso sistema 5 (cinco) espécies de tributos, criando a chamada “teoria pentapartide”.

São eles:

Impostos, cuja característica básica é o fato da sua receita não poder estar vinculada à quaisquer despesas específicas. São utilizados para custear as despesas gerais dos Estados.
Ex: IPVA – sua receita custeia os gastos gerais do Estado, e não as rodovias. Daí que é tecnicamente errado se falar que “pagamos IPVA e as estradas continuam ruins”.

Taxas, que são tributos criados para custear atividades específicas. Suas receitas custeiam tão somente a atividade estatal para a qual foram criadas. A atividade deve ser específica e divisível, ou seja, a atividade deve proporcionar a identificação exata de quem está usufruindo do serviço e em que proporções.
EX: Taxa de Coleta Domiciliar de Lixo, TCDL – custeia tão somente o serviço de coleta de lixo domiciliar.

Contribuições de Melhoria, que se justificam em função de obras públicas que valorizam determinada área. Se cobra dos beneficiários da obra, na medida de sues ganhos, e somente após a construção. Daí ser extremamente rara.
Ex: Contribuição de Melhoria em função da construção de parque público. Se cobraria, após a obra, o valor respectivo de melhoria em cada imóvel situado próximo ao parque.

Contribuições, que são tributos que se caracterizam pela destinação específica da receita à determinada área governamental.
Ex: Contribuições Sociais Gerais – custeiam Educação e Salário Desemprego.

Empréstimos Compulsórios – servem para custear situações excepcionalíssimas, quais sejam: caso de guerra e investimento público de relevante interesse nacional. Também nunca foi criado, ainda mais que pressupõe a devolução, já que é empréstimo.
Ex: Brasil hipoteticamente entra em guerra com a Argentina – poderia ser criado um empréstimo compulsório para o financiamento dos gastos de guerra.


O HISTÓRICO DA TRIBUTAÇÃO PARA O CUSTEIO DA ILUMINAÇÃO PÚBLICA

Antes da Emenda Constitucional nº39/2002, que criou a COSIP, vários Municípios brasileiros criaram Taxas de Iluminação Pública – TIP.

Tais TIPs foram sendo abolidas pelo Poder Judiciário, em face da sua manifesta inconstitucionalidade, uma vez que o serviço de iluminação pública não é específico nem divisível.

Ou seja, não se verifica quem usa e em que proporções se utiliza. Daí não ser possível o seu custeio via Taxa.

Diz HELY LOPES MEIRELLES sobre serviços públicos:

"São os que atendem a toda a coletividade, sem usuários determinados, como os de polícia, iluminação pública, calçamento e outros dessa espécie. Esses serviços destinam-se indiscriminadamente a toda a população, sem que se erijam em direito subjetivo individual de qualquer administrado à sua fruição particular, ou privativa de seu domicílio, de sua rua ou de seu bairro. Daí por que tais serviços devem ser mantidos por impostos (tributo geral), e não por taxa ou tarifa (remuneração específica do usuário)".

Daí que em vários julgamentos o STF afastou a tributação da iluminação publica por Taxa, verbis:

"Súmula nº. 670: O serviço de iluminação pública não pode ser remunerado mediante taxa".


QUESTIONAMENTOS APÓS A EC 39/2002, COSIP

Diante da inclusão do art. 149 A na CF, criando a COSIP, vários questionamentos se fazem presentes sobre a possível inconstitucionalidade da EC 39/2002, dos quais apresentaremos os mais relevantes.

1) A COSIP nada mais é do que a antiga Taxa de Iluminação Pública TIP sob a forma de “Falsa Contribuição”. Isso porque o serviço de iluminação pública é serviço indivisível de qualquer maneira. Não há como se especificar quem utiliza e em que proporções se utiliza o serviço. Daí que a EC 39/2002 é inconstitucional, face a necessidade de se custear o serviço por Impostos.

Resposta da Fazenda Municipal: Trata-se de uma nova Contribuição prevista na CF, não havendo nenhuma inconstitucionalidade. Basta se atentar que a destinação específica é trazida no próprio texto do art 149 A CF, que diz “para custeio do serviço de iluminação pública”.

2) A COSIP é inconstitucional, já que antes da EC 39/2002 os Municípios não tinham Competência Tributária para a criação de Contribuições, mas tão somente a União, que foi restringida. Como a Competência Tributária é ligada à Federação e há cláusula pétrea violada (art. 60, § 4º, I CF) a inconstitucionalidade deve ser reconhecida.

Resposta da Fazenda: A Competência Tributária não é cláusula pétrea. O que é cláusula pétrea e vedado pela Constituição é a Federação, que não pode ser “abolida” (redação do art. 60, § 4º CF). A EC 39/2002 não aboliu nenhuma prerrogativa da União, mas tão somente criou uma nova em favor dos Municípios e DF. Daí sua constitucionalidade.

3) O art. 149 A CF não trouxe o arcabouço constitucional para a sua cobrança. Ou seja, a CF não define o que será cobrado, não identifica o fato gerador, trazendo Insegurança Jurídica. Daí sua inconstitucionalidade.

Resposta da Fazenda: Não há necessidade de definição do arcabouço no texto constitucional. A CF define as regras de Competência Tributária. O fato gerador, hipótese de incidência, base de cálculo, alíquotas, sujeitos tributários, etc. podem e devem ser definidos na lei tributante municipal.

4) O art. 146, III, “a” da CF exige Lei Complementar para definição de fato gerador, base de cálculo, contribuintes, e fixação de normas gerais tributárias. Tal Lei Complementar não existe. Daí a inconstitucionalidade da cobrança.

Resposta da Fazenda: A Lei Complementar referida é o próprio CTN, que fixa as normas gerais tributárias. O art. 146, III, “a” CF é atendido pelo CTN. Entretanto, não há qualquer inconstitucionalidade na COSIP, já que o mesmo dispositivo se refere à “impostos”, e não à contribuições.


POSICIONAMENTO DOS TRIBUNAIS

TJRJ – A maioria dos julgados são pela constitucionalidade da COSIP. Não haveria qualquer inconstitucionalidade na EC 39/2002, além do que as leis locais teriam adequado seus fatos geradores em função de “Resoluções da ANAEEL” ou no “custeio dos serviços de manutenção e melhoria do sistema de iluminação das vias públicas”.

STJ – Não há decisão de mérito, mas tão somente de medida cautelar e de acolhimento de ilegitimidade ativa. Em alguns casos os Tribunais de Justiça estaduais declararam a inconstitucionalidade com base na lei municipal e a concessionária de energia recorreu via REsp, sendo reconhecida sua ilegitimidade ativa. Em outros, os Tribunais de Justiça igualmente declararam a inconstitucionalidade com base na lei municipal, tendo os Municípios recorrido buscando efeito suspensivo, no qual foi negado.

STF – Concedeu efeito suspensivo à declaração de inconstitucionalidade em favor do Município de São Paulo. Um dos argumentos utilizados foi a segurança pública, já que teria sido comprovado na medida cautelar a impossibilidade do ente em financiar o serviço de iluminação pública, gerando insegurança social.

(Texto próprio)

terça-feira, 4 de setembro de 2007

Imóvel Cultivado em Zona Urbana. IPTU, ITR ou Incentivo Fiscal?

Imóvel Cultivado em Zona Urbana. IPTU, ITR ou Incentivo Fiscal?


1. Introdução

O crescimento da cidade com a progressiva expansão de zona urbana do município, inclusive, com quase a absolvição total da zona rural em algumas comunas, têm trazido problemas de ordem tributária para diversos munícipes, que sempre se dedicaram às atividades agropastoris. São surpreendidos, da noite para o dia, com a nova tributação: o IPTU 'n' vezes mais oneroso do que o tradicional ITR que vinham pagando.

Esses humildade proprietários só sabem trabalhar a terra e, também, não têm experiência nem conhecimentos para proceder loteamentos urbanos em suas terras. Acabam sendo vítimas de especuladores imobiliários.

2. O IPTU e o seu fato gerador

Nos termos do art. 156, I da CF compete aos Municípios instituir o imposto predial e territorial urbano.

Em caráter de norma geral, o art. 32 do Código Tributário Nacional - CTN - define o fato gerador desse imposto como sendo 'a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município'. É o chamado aspecto nuclear ou objetivo do fato gerador. O contribuinte, nos termos do art. 34 do CTN, 'é o proprietário do imóvel, o titular do domínio útil ou seu possuidor a qualquer título'. É o aspecto subjetivo passivo do fato gerador.

Muitos acoimam de inconstitucionais esses dois dispositivos retro referidos no que tange à posse, porque os interpretam literalmente.

Como o imposto é espécie tributária, que se caracteriza pela captação de riqueza produzida pelo particular, deve-se entender que o seu fato gerador é a disponibilidade econômica da propriedade, do domínio útil ou da posse, e, o seu contribuinte é qualquer pessoa que detenha essa disponibilidade econômica. O posseiro, por exemplo, usufrui das utilidades do imóvel possuído como se proprietário fosse, podendo requerer a usucapião, uma vez preenchidos os requisitos da lei, obtendo o título de propriedade.

Outro aspecto do fato gerador diz respeito ao imóvel localizado na zona urbana do Município. É o aspecto espacial do fato gerador que elege um dos mais de 5.550 municípios brasileiros como titular da imposição tributária do IPTU, isto é, define o sujeito ativo do fato gerador.

3. Conflito entre o IPTU e o ITR

Sem prévia definição, por lei complementar, dirimindo o conflito de competência tributária entre a União e os Municípios (art. 146, I da CF) não seria possível o exercício dessa competência impositiva por qualquer uma das entidades políticas. De fato, pelo art. 153, IV da CF cabe à União tributar pelo ITR a propriedade territorial rural, enquanto que cabe ao Município tributar a propriedade predial e territorial urbana pelo IPTU.

Para afastar esse conflito de competência tributária entre a União e os Municípios, o Código Tributário Nacional, no § 1º, do art. 32 assim prescreveu:

'Para os efeitos deste imposto, entende-se como zona urbana a definida em lei municipal, observando o requisito mínimo da existência de melhoramentos indicados em pelo menos dois dos incisos seguintes, construídos ou mantidos pelo Poder Público:

I - meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais;

II - abastecimento de água;


III - sistema de esgotos sanitários;

IV - rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar;

V - escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3 (três) quilômetros do imóvel considerado.

§ 2º. A lei municipal pode considerar urbanas as áreas urbanizáveis, ou de expansão urbana, constantes de loteamentos aprovados pelos órgãos competentes, destinados à habitação, indústria ou ao comércio, mesmo que localizados fora das zonas definidas nos termos do parágrafo anterior'.

Como se verifica, o CTN adotou o critério geográfico para definição da zona urbana. Assim, zona urbana é aquela definida em lei municipal, observado o requisito mínimo da existência de 2 (dois) dos melhoramentos públicos referidos no § 1º, do art. 32 do CTN. A definição, por lei ordinária, de imóvel rural ou de imóvel urbano, segundo a destinação dada ao bem afronta o critério geográfico acolhido pelo CTN. Por isso, o STF proclamou a inconstitucionalidade do art. 6º e seu parágrafo único da Lei Federal de nº 5.868, de 12-12-1972 que, para efeito de tributação pelo imposto territorial rural, consideravam como imóvel rural, independentemente de sua localização, aquele destinado à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal ou agroindustrial. Entendeu a Corte Suprema que a fixação de critério para definição de imóvel rural ou urbano é matéria que se insere no campo de normas gerais sobre tributação, pelo que somente a lei complementar poderia revogar a expressa disposição do CTN (RE
93.850-8-MG, Trib. Pleno, Rel. Min. Moreira Alves; JSTF, Lex 46, p. 91).

Aliás, a adoção do critério da destinação do imóvel impossibilitaria ao Município o cumprimento de sua missão de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade (art. 182 da CF), pois simplesmente desapareceria a fronteira entre as zonas rural e urbana. O território municipal ficaria constituído de imóveis urbanos e de imóveis rurais, de forma intercalada, impedindo ao Município de conferir a função social à propriedade imobiliária, pois esta, em relação ao imóvel rural, cabe apenas à União (art. 186 da CF).

4. Problemas de ordem prática

Adotado o conceito geográfico do que seja zona urbana, por exclusão, resulta o conceito de zona rural. Contudo, essa definição legal de zona urbana e, por exclusão, da zona rural, conquanto satisfatória do ponto de vista teórico ela não afasta dois problemas de ordem prática.

O primeiro problema diz respeito à ausência de um marco divisor, objetivo e claro quanto às divisas municipais, que tem ensejado disputas de tributação pelo IPTU, como por exemplo, entre Diadema e São Paulo. Na falta de nitidez do Mapa Cartográfico do Estado de São Paulo, imóveis situados nas divisas desses dois municípios vêm sendo tributados pelos dois fiscos, ensejando a bi-tributação jurídica, que é inconstitucional.

Na prática, a sala de um prédio poderia estar em um município, enquanto que um dos cômodos do mesmo prédio poderia estar situado em outro município. Com proceder à tributação do IPTU? Critério da preponderância? Critério da proporcionalidade? Qualquer que seja o critério adotado, pressupõe-se o prévio conhecimento da divisa.

Para dirimir esse conflito, no exercício da função de consultor jurídico do Município de São Paulo, em 1989, com fundamento no § 2º do art. 12 do ADCT, elaboramos e sugerirmos à chefia do Executivo uma minuta de Convênio entre o Município de São Paulo e o de Diadema, para substituir o critério vago e impreciso vigente, por um outro critério geográfico bem definido e em termos objetivos, redesenhando as linhas divisórias litigiosas. O projeto legislativo do Convênio foi aprovado pela E. Câmara Municipal de São Paulo em 1989. Porém, a Câmara Municipal de Diadema recusou a sua aprovação alegando que o Município estaria a perder, pelo novo critério, cerca de 352 ms2 em relação ao critério impreciso que resulta do Mapa Cartográfico do Estado de São Paulo.

O outro problema prático é o que diz respeito à tributação de área urbana cultivada, normalmente, plantação de hortaliças que abastecem a população.

Isso aconteceu em função da progressiva urbanização dos municípios que compõem as Regiões Metropolitanas, empurrando os moradores de zonas rurais cada para locais cada vez mais distantes dos centros urbanos. Em alguns municípios, como os que compõem o ABCD (Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul e Diadema) não têm mais campo para expandir suas zonas urbanas. As zonas urbanas desses municípios passaram a ser interligadas.

Nem todos os agricultores abandonaram as suas terras ante a expansão urbana, como são os casos dos cultivadores de hortaliças de São Bernardo do Campo, que não mais conseguem arcar com os pesados encargos tributários do IPTU, em substituição ao ITR, que tem como base de cálculo o valor fundiário, ou seja, o valor da terra nua (valor da terra sem edificações ou culturas). O ITR permite, ainda, 90% de desconto, sendo 45% pelo grau de utilização da terra (GUT) e 45% pelo grau de eficiência na exploração (GEE). Isso, sem contar a imunidade instituída pela Constituição Federal em relação a pequenas glebas rurais exploradas pelo proprietário, que não possua outro imóvel, nos termos da lei (
art. 153, § 4º, II da CF).

O problema da tributação pelo IPTU, em lugar do ITR, nem sempre é de ordem jurídica, como acontece em alguns Municípios de tradição agrícola, mas que com o passar dos tempos transformaram seus territórios em zonas urbanas de conformidade com as normas do CTN.

Não é o caso de Vinhedo, em que o Prefeito, empolgado pela atração turística da cidade enviou à Câmara Municipal de Vinhedo o Projeto de Lei nº 34, de 4 de julho de 2004, declarando como sendo de zona urbana todo o território municipal.

Um dos proprietários rurais solicitou-nos um parecer a respeito. Verificando que nem toda a área municipal de Vinhedo - 82 km2 - estava abrangida pelo perímetro delimitado pelos critérios objetivos do § 1º do art. 32 do CTN, emitimos um parecer jurídico no sentido da inconstitucionalidade da aludida proposta legislativa, por invasão de competência tributária da União. A argumentação de que a União não vinha exercendo sua competência tributária não tinha, como não tem e jamais poderia ter qualquer relevância jurídica, em face do princípio da indelegabilidade de competência impositiva, que não pode ser confundida com a delegação de competência fiscalizatória e arrecadatória. O Projeto Legislativo nº 34/2004 foi rejeitado pela Câmara Municipal de Vinhedo, cujos munícipes, proprietários de imóveis rurais, continuam livres do famigerado IPTU, tributado com base no valor venal da propriedade urbana, que leva em conta, entre outros elementos, a quantidade de metro quadrado do imóvel.

O problema surge quando a questão extrapola o âmbito jurídico, isto é, o imóvel onde se cultivam as hortaliças, por exemplo, está dentro do perímetro urbano definido pela lei municipal, conformada com o § 1º do art. 32 do CTN.

Esta é uma questão de política tributária, ou de política urbana, e não de direito tributário.

Cumpre lembrar, em primeiro lugar, que a norma do § 1º, do art. 32 do CTN não é auto-aplicável. Não basta a área estar abrangida de fato no perímetro delimitado pelo § 1º do art. 32 do CTN. Para que aquela área se torne juridicamente uma zona urbana é preciso que a lei do Município competente assim a declare. Basta que a lei municipal não declare, ou exclua dessa declaração de zona urbana determinadas áreas tradicionalmente destinadas às atividades agro-pastoris, para que não sejam atingidas pelo IPTU, mas apenas pelo ITR, bem menos oneroso que o primeiro.

Em segundo lugar, em havendo declaração de zona urbana, sem respeito às áreas tradicionalmente tidas como 'rurais' nada impede, dentro do princípio da razoabilidade, a lei municipal outorgar isenção, redução da base de cálculo ou de alíquotas como, aliás, vêm fazendo a imensa maioria dos municípios, que enfrentam tais tipos de problemas, decorrentes do crescente fenômeno da urbanização. É que nesses casos, razões de política tributária e de política urbana, fundadas no interesse coletivo, levaram a Administração Pública a manter e incentivar o cultivo de hortaliças para o abastecimento da cidade com a um custo menor.

Se por uma razão ou outra, a manutenção de atividade agropastoril no âmbito da zona urbana (às vezes não existe, ou quase não existe zona rural em alguns municípios) representar contrariedade ao interesse público, o caminho jurídico correto seria o da desapropriação da 'propriedade rural' encravada no seio da zona urbana, mediante pagamento justo da prévia indenização em dinheiro. O confisco da 'propriedade urbana' pertencentes a humildes agricultores, traduzido pela imposição de IPTU, que extravasa os limites da capacidade contributiva é inconstitucional (art. 150, IV da CF).

Não é razoável o Município tolerar a atividade agropastoril em um imóvel urbano de seu território, porque lhe convém sob o ponto de vista do abastecimento da cidade e da geração de riquezas, e, ao mesmo tempo, impor a seus proprietários um pesado tributo, próprio de imóvel de natureza estritamente urbana.

O uso da política tributária, para conciliar os interesses do proprietário, que explora atividade agro-pastoril na zona urbana, e do Município, que tolera tal atividade por ser de sua conveniência, encontra apoio na moderna doutrina do direito urbanístico, que incorpora, em seu conceito, a relação cidade-campo.

5. Conclusões

As propriedades encravadas na zona urbana, onde são exercidas as atividades agropastoris, por razões de políticas tributária e urbana podem ser excluídas da definição de zona urbana pela lei municipal competente.

Essas propriedades, se incluídas na definição de zona urbana como permite o § 1º do art. 32 do CTN devem merecer incentivos fiscais como isenção, redução base de cálculo ou da alíquota, ou ainda, desconto especial do IPTU.

Em caso de contrariedade à política urbana do município as áreas de cultivos encravadas na zona urbana devem ser desapropriadas mediante pagamento prévio da justa indenização em dinheiro.

Implícita está a faculdade de os proprietários dessas áreas promoverem o loteamento urbano dessas propriedades, o que é uma hipótese possível, mas, pouco provável em razão da vocação agrícola desses proprietários.


(Texto de
Kiyoshi Harada, repassado pelo amigo Gustavo Falcão)